Tuesday, June 8, 2021

Jordan & Kobe: o elo das lendas e o “reencontro” no Hall da Fama

Michael Jordan discursa em cerimônia que coloca Kobe Bryant no Hall da Fama do basquete. A relação dos dois craques começou com comparações e provocações e evoluiu para uma eterna amizade


Luca Mascarenhas Tornaghi

Fonte: globoesporte.globo.com

Em: 25.05.21


Michael Jordan e Vanessa Bryant na cerimônia do Hall da Fama
Imagem: www.graziamagazine.com


Michael Jordan é figura rara em eventos importantes promovidos pela NBA. A lenda também nunca foi de elogiar ou exaltar outros atletas: nem quando já se tornara um ex-jogador, muito menos em tempos na ativa. Os amigos de MJ no basquete são pouquíssimos, dá para contar em seus dedos vitoriosos ocupados por seis anéis de campeão da Liga.

No dia 15 de maio, no entanto, o maior jogador da história saiu de casa em nobre ocasião. Jordan subiu ao palco do Naismith Memorial, em Springfield, para homenagear seu amigo Kobe Bryant, que entrava para o Hall da Fama do Basquete. Kobe morreu em janeiro de 2020, em acidente de helicóptero que também vitimou fatalmente sua filha Gianna Bryant e mais sete pessoas. Desde então, dentre diversas homenagens, lembranças e memórias, uma profunda e ainda secreta amizade fora revelada ao mundo. Kobe e Michael eram amigos de longa data com frequente e afetuoso contato.

- Normalmente, Michael (Jordan) não interagia com outros atletas dentro de quadra, muito menos adversários. Ele só estava focado em jogar. Mas por algum motivo muito especial MJ encontrou muitas afinidades com ele (Kobe Bryant) - declarou o ex-dirigente do Lakers, Jerry West, após a morte de Kobe Bryant.

A aproximação inusitada contada por West foi revelada por Jordan em manifestações por redes sociais e discursos de homenagem a Kobe.

- Todos sempre me pedem para falar sobre essa comparação entre eu e ele (Kobe Bryant), mas dessa vez quero falar somente sobre Kobe - disse Michael Jordan em cerimônia no Staples Center, um mês depois da morte de Kobe e sua filha Gigi Bryant.


Michael Jordan em homenagem após a morte de Kobe
Imagem: www.fox46.com
 

O começo da relação

Kobe chegava direto do ensino médio para a NBA, com 18 anos, olhar de curioso e corpo franzino em uma liga em que os mais velhos e fortes dominavam as ações. Desde o início de sua jornada, Bryant teve seu estilo comparado ao grande atleta da história da modalidade, Michael Jordan. Black Jesus (Jesus Negro), como era chamado internamente entre os jogadores da NBA, de início, não curtiu as comparações.

Uma chama de rivalidade e provocação entre os dois se acendeu no Jogo das Estrelas de 1998, em Nova York, no icônico Madison Square Garden. Kobe já se destacava pelo Los Angeles Lakers em sua segunda temporada, com 19 anos e defendia a seleção da Conferência Oeste. Já Jordan se encaminhava para o que ficou conhecida como "a última dança", ou seja, o último título pelo Chicago Bulls, já consagrado e eternizado na história do esporte.

 

Kobe Bryant e Michael Jordan no All-star Game de 1998
Imagem: www.wallpapersden.com

Câmeras da TV americana flagraram quando MJ, ainda no vestiário, instantes antes da partida, deu o comando.

- Eu cuido do garoto de Los Angeles. Hoje ele vai querer jogar bem. Eu cuido dele.

Na ocasião, Kobe marcou Jordan e naturalmente Jordan "cuidou" de Kobe. Ao fim da partida, o craque do Bulls teria aplicado a primeira aula prática ao jovem promissor: vitória por 135 x 114, 23 pontos anotados e prêmio de MVP da partida nas mãos.

O episódio que contou com provocações vindas de Michael não intimidou Bryant. De acordo com entrevista concedida pelo preparador físico pessoal de Jordan, Tim Grover, para a ESPN americana, Kobe ficava esperando Jordan sair do vestiário depois dos jogos contra o Bulls para lhe encher de perguntas. Estava ali o jovem curioso promissor e atrevido buscando respostas com o gênio maior do basquete, antes avesso a esse tipo de contato com outros jogadores.

 

A insistência de Kobe

Kobe não tinha medo de fazer o papel de "menino chato" para Jordan, apesar de saber que seu ídolo não costumava investir tempo e energia em dar conselhos para muita gente. Segundo Tim Grover, Michael considerava o jovem craque do Lakers "como um irmão mais novo implicante e insistente" e assim passou seu número de telefone pessoal. Foi o passo que Kobe precisava para firmar uma parceria de cumplicidade e amizade com sua maior referência no jogo.

 

Kobe Bryant e Michael Jordan no All-star Game de 1998
Imagem: www.compostimes.com

- Kobe me ligava nos horários mais malucos: onze da noite, duas da manhã, na madrugada, de manhã. Quando queria, pensava em algo em que eu poderia ajudar, e me ligava na hora - contou Jordan no discurso no Staples Center.

Os papos antes apenas sobre basquete foram se tornando mais pessoais, abordando famílias, vidas. E a admiração passou a ser mútua. Jordan não daria atenção e consideração a quem não tivesse o talento suficiente.

- Acho que ele (Michael Jordan) entendeu a minha competitividade e estava olhando para a minha jornada também. Foram alguns anos difíceis para mim no início, porque o estilo da liga era ainda antigo, não moderno como hoje. Ter adolescentes como eu, ou caras na casa dos 20 anos se destacando, não era comum. Acho que ele queria me ajudar, me dar uma direção - declarou Kobe na série-documentário The Last Dance.


Kobe Bryant em quadra na sua temporada final
Imagem: www.raptorsrepublic.com


Além do estilo de jogo e da sede por vitórias, alguns outros elementos e personagens uniram ao longo do tempo as figuras estelares de Kobe e Jordan. Phil Jackson foi uma dessas pontes entre os craques. O técnico que venceu seis títulos na companhia de Michael no Chicago Bulls também comandou anos mais tarde Kobe Bryant em Los Angeles.

Em 1999, quando iniciava o trabalho no Lakers, Phil Jackson queria implementar o mesmo sistema tático consagrado pelo Bulls de Jordan-Pippen-Rodman: O Triângulo. O técnico pediu então que Jordan, naquele momento aposentado, procurasse Kobe para explicá-lo a execução da estratégia.

Eram as palavras sábias de Jordan dando os caminhos da vitória para o jovem talento de Los Angeles. O menino insistente então conseguiu: seu ídolo lhe passou ensinamentos, mostrou possibilidades e validou a trajetória de sucesso que iria traçar. Kobe conquistou cinco títulos da NBA, um a menos que o amigo.

 

O encontro de mentalidades vencedoras

As ligações telefônicas de Kobe para Jordan, de acordo com o próprio MJ, continuaram até a morte do ídolo dos Lakers. Os papos nos últimos anos abordavam mais o desenvolvimento de sua filha Gigi Bryant no basquete escolar. A filha que acompanhava Kobe no helicóptero, no terrível dia 26 de janeiro de 2020, era uma promessa jovem do basquete feminino americano e contava com os atenciosos conselhos de Michael Jordan.


Kobe e Gianna Bryant
Imagem: www.swimswam.com

Kobe e Jordan estabeleceram uma sintonia apoiada em mentalidades muito particulares que priorizavam a competitividade voraz, a dedicação sem limites e a busca inesgotável pela perfeição. Michael Jordan é abertamente visto por ex-companheiros como uma pessoa obcecada por vitórias, encarado por muitos como individualista e egoísta. No entanto, MJ mostra em sua trajetória com Kobe um lado generoso, amigável e conselheiro.

O eterno camisa 23 de Chicago achou em Bryant um corpo capaz de realizar grandes feitos em quadra, mas, principalmente, se deparou com uma mente de nível competitivo avassalador, criador da conhecida "Mamba Mentality" (Mentalidade Mamba, em inglês). A fixação pela excelência na condição física e técnica, a concentração e o foco para transformar preparação em execução uniram as mentes de Jordan e Kobe para sempre.

Neste mês de maio, essa conexão de dois deuses do basquete foi reafirmada. Michael não sai de casa à toa, todos sabem, mas dessa vez o motivo foi especial. Retomar uma ligação antiga e profunda, em que tempo e espaço não dão conta de apagar.



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