Michael Jordan discursa em cerimônia que coloca Kobe Bryant no Hall da Fama do basquete. A relação dos dois craques começou com comparações e provocações e evoluiu para uma eterna amizade
Luca Mascarenhas Tornaghi
Fonte: globoesporte.globo.com
Em: 25.05.21
Michael Jordan e Vanessa Bryant na cerimônia do Hall da Fama Imagem: www.graziamagazine.com |
Michael
Jordan é figura rara em eventos importantes promovidos pela NBA. A lenda também
nunca foi de elogiar ou exaltar outros atletas: nem quando já se tornara um
ex-jogador, muito menos em tempos na ativa. Os amigos de MJ no basquete são
pouquíssimos, dá para contar em seus dedos vitoriosos ocupados por seis anéis
de campeão da Liga.
No dia 15 de maio, no entanto, o maior jogador da história saiu de casa em nobre ocasião. Jordan subiu ao palco do Naismith Memorial, em Springfield, para homenagear seu amigo Kobe Bryant, que entrava para o Hall da Fama do Basquete. Kobe morreu em janeiro de 2020, em acidente de helicóptero que também vitimou fatalmente sua filha Gianna Bryant e mais sete pessoas. Desde então, dentre diversas homenagens, lembranças e memórias, uma profunda e ainda secreta amizade fora revelada ao mundo. Kobe e Michael eram amigos de longa data com frequente e afetuoso contato.
- Normalmente, Michael (Jordan) não interagia com outros atletas dentro de quadra, muito menos adversários. Ele só estava focado em jogar. Mas por algum motivo muito especial MJ encontrou muitas afinidades com ele (Kobe Bryant) - declarou o ex-dirigente do Lakers, Jerry West, após a morte de Kobe Bryant.
A aproximação inusitada contada por West foi revelada por Jordan em manifestações por redes sociais e discursos de homenagem a Kobe.
- Todos
sempre me pedem para falar sobre essa comparação entre eu e ele (Kobe Bryant),
mas dessa vez quero falar somente sobre Kobe - disse Michael Jordan em
cerimônia no Staples Center, um mês depois da morte de Kobe e sua filha Gigi
Bryant.
Michael Jordan em homenagem após a morte de Kobe Imagem: www.fox46.com |
O começo da relação
Kobe chegava
direto do ensino médio para a NBA, com 18 anos, olhar de curioso e corpo
franzino em uma liga em que os mais velhos e fortes dominavam as ações. Desde o
início de sua jornada, Bryant teve seu estilo comparado ao grande atleta da
história da modalidade, Michael Jordan. Black Jesus (Jesus Negro), como era
chamado internamente entre os jogadores da NBA, de início, não curtiu as
comparações.
Uma chama de
rivalidade e provocação entre os dois se acendeu no Jogo das Estrelas de 1998,
em Nova York, no icônico Madison Square Garden. Kobe já se destacava pelo Los
Angeles Lakers em sua segunda temporada, com 19 anos e defendia a seleção da
Conferência Oeste. Já Jordan se encaminhava para o que ficou conhecida como
"a última dança", ou seja, o último título pelo Chicago Bulls, já
consagrado e eternizado na história do esporte.
Kobe Bryant e Michael Jordan no All-star Game de 1998 Imagem: www.wallpapersden.com |
Câmeras da TV americana flagraram quando MJ, ainda no vestiário, instantes antes da partida, deu o comando.
- Eu cuido do garoto de Los Angeles. Hoje ele vai querer jogar bem. Eu cuido dele.
Na ocasião,
Kobe marcou Jordan e naturalmente Jordan "cuidou" de Kobe. Ao fim da
partida, o craque do Bulls teria aplicado a primeira aula prática ao jovem
promissor: vitória por 135 x 114, 23 pontos anotados e prêmio de MVP da partida
nas mãos.
O episódio
que contou com provocações vindas de Michael não intimidou Bryant. De acordo
com entrevista concedida pelo preparador físico pessoal de Jordan, Tim Grover,
para a ESPN americana, Kobe ficava esperando Jordan sair do vestiário depois
dos jogos contra o Bulls para lhe encher de perguntas. Estava ali o jovem
curioso promissor e atrevido buscando respostas com o gênio maior do basquete,
antes avesso a esse tipo de contato com outros jogadores.
A insistência de Kobe
Kobe não
tinha medo de fazer o papel de "menino chato" para Jordan, apesar de
saber que seu ídolo não costumava investir tempo e energia em dar conselhos
para muita gente. Segundo Tim Grover, Michael considerava o jovem craque do
Lakers "como um irmão mais novo implicante e insistente" e assim
passou seu número de telefone pessoal. Foi o passo que Kobe precisava para
firmar uma parceria de cumplicidade e amizade com sua maior referência no jogo.
Kobe Bryant e Michael Jordan no All-star Game de 1998 Imagem: www.compostimes.com |
- Kobe me ligava nos horários mais malucos: onze da noite, duas da manhã, na madrugada, de manhã. Quando queria, pensava em algo em que eu poderia ajudar, e me ligava na hora - contou Jordan no discurso no Staples Center.
Os papos antes apenas sobre basquete foram se tornando mais pessoais, abordando famílias, vidas. E a admiração passou a ser mútua. Jordan não daria atenção e consideração a quem não tivesse o talento suficiente.
- Acho que ele (Michael Jordan) entendeu a minha competitividade e estava olhando para a minha jornada também. Foram alguns anos difíceis para mim no início, porque o estilo da liga era ainda antigo, não moderno como hoje. Ter adolescentes como eu, ou caras na casa dos 20 anos se destacando, não era comum. Acho que ele queria me ajudar, me dar uma direção - declarou Kobe na série-documentário The Last Dance.
Kobe Bryant em quadra na sua temporada final Imagem: www.raptorsrepublic.com |
Além do estilo de jogo e da sede por vitórias, alguns outros elementos e personagens uniram ao longo do tempo as figuras estelares de Kobe e Jordan. Phil Jackson foi uma dessas pontes entre os craques. O técnico que venceu seis títulos na companhia de Michael no Chicago Bulls também comandou anos mais tarde Kobe Bryant em Los Angeles.
Em 1999, quando iniciava o trabalho no Lakers, Phil Jackson queria implementar o mesmo sistema tático consagrado pelo Bulls de Jordan-Pippen-Rodman: O Triângulo. O técnico pediu então que Jordan, naquele momento aposentado, procurasse Kobe para explicá-lo a execução da estratégia.
Eram as
palavras sábias de Jordan dando os caminhos da vitória para o jovem talento de Los
Angeles. O menino insistente então conseguiu: seu ídolo lhe passou
ensinamentos, mostrou possibilidades e validou a trajetória de sucesso que iria
traçar. Kobe conquistou cinco títulos da NBA, um a menos que o amigo.
O encontro de mentalidades vencedoras
As ligações telefônicas de Kobe para Jordan, de acordo com o próprio MJ, continuaram até a morte do ídolo dos Lakers. Os papos nos últimos anos abordavam mais o desenvolvimento de sua filha Gigi Bryant no basquete escolar. A filha que acompanhava Kobe no helicóptero, no terrível dia 26 de janeiro de 2020, era uma promessa jovem do basquete feminino americano e contava com os atenciosos conselhos de Michael Jordan.
Kobe e Gianna Bryant Imagem: www.swimswam.com |
Kobe e Jordan estabeleceram uma sintonia apoiada em mentalidades muito particulares que priorizavam a competitividade voraz, a dedicação sem limites e a busca inesgotável pela perfeição. Michael Jordan é abertamente visto por ex-companheiros como uma pessoa obcecada por vitórias, encarado por muitos como individualista e egoísta. No entanto, MJ mostra em sua trajetória com Kobe um lado generoso, amigável e conselheiro.
O eterno
camisa 23 de Chicago achou em Bryant um corpo capaz de realizar grandes feitos
em quadra, mas, principalmente, se deparou com uma mente de nível competitivo
avassalador, criador da conhecida "Mamba Mentality" (Mentalidade
Mamba, em inglês). A fixação pela excelência na condição física e técnica, a
concentração e o foco para transformar preparação em execução uniram as mentes
de Jordan e Kobe para sempre.
Neste mês de maio, essa conexão de dois deuses do basquete foi reafirmada. Michael não sai de casa à toa, todos sabem, mas dessa vez o motivo foi especial. Retomar uma ligação antiga e profunda, em que tempo e espaço não dão conta de apagar.
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